Sustentabilidade & Futuro
‘Não estamos só dizendo, estamos fazendo’, afirma ministro paquistanês na COP-30.
Gustavo Freitas
16 de novembro de 2025

A frase foi dita quase em tom de desabafo por Zeeshan Rafique, ministro de Desenvolvimento Comunitário de Punjab, província mais populosa do Paquistão, durante a conferência em Belém. Naquele mesmo dia, enquanto pavilhões discutiam metas, fundos e disputas diplomáticas, o governo paquistanês firmava um acordo de cooperação com uma empresa de tecnologia de Singapura - um documento robusto que aponta para a expansão de sistemas de resíduos sólidos, infraestrutura digital e integração ao mercado internacional de créditos de carbono. Um movimento simbólico e, ao mesmo tempo, profundamente pragmático.
Punjab costuma aparecer nas manchetes internacionais por motivos complexos: pressões políticas internas, tensões com a Índia, desafios energéticos e eventos climáticos extremos. Mas a região, que abriga cerca de 130 milhões de habitantes, tem assumido um papel silencioso, porém decisivo, na tentativa do país de redesenhar sua infraestrutura ambiental.
Localizado no coração do subcontinente, Punjab concentra agricultura, cidades-chave, corredores industriais e parte expressiva da produção alimentar que sustenta o Paquistão. É, em muitos sentidos, o centro nervoso de um país que ainda tenta convencer o mundo de que sua estabilidade climática e econômica tem impacto além de suas fronteiras.
Foi neste contexto que a Lahore Waste Management Company (LWMC), empresa pública responsável pelo manejo de resíduos da capital provincial, assinou durante a COP o acordo com a Intelligence Wise Pte Ltd, de Singapura. O documento estabelece cooperação tecnológica, construção de infraestrutura digital, integração com mercados internacionais de carbono e desenvolvimento de projetos de “waste to value” — iniciativas que transformam lixo em energia ou insumos industriais. Também prevê apoio regulatório, consultoria em finanças climáticas e a criação de um sistema de verificação transparente para créditos de carbono, um tema sensível para países emergentes que há anos pedem reconhecimento e mecanismos justos de validação.
Na entrevista concedida ao O FLUXO, o ministro insistiu que a província não veio à COP para apresentar “intenções”. Suas falas refletiam a busca por credibilidade diante da comunidade internacional: “Não é só que estamos falando sobre coisas… nós realmente estamos fazendo.” Segundo ele, o novo sistema de gestão de resíduos - antes praticamente inexistente - foi reformulado em apenas seis a oito meses, cobrindo mais de 90% da província. “Não levou décadas, não levou anos”, reforçou, definindo o modelo como uma transformação que o governo considera replicável.
O plano de “resíduos para valor” pode parecer distante do cotidiano amazônico, mas toca em temas universais: urbanização acelerada, pressão sobre recursos hídricos, poluição, e a necessidade de transformar passivos ambientais em ativos econômicos. Para países em desenvolvimento - de onde vêm as cidades que mais crescem no mundo -, soluções rápidas, baratas e replicáveis são mais do que desejáveis; são urgentes. Lahore, ao reestruturar sua gestão de resíduos e ao se conectar a mercados internacionais de carbono, tenta ocupar um espaço raramente atribuído ao Paquistão: o de inovador institucional.
A geopolítica adiciona outra camada a essa história. O Paquistão é frequentemente lembrado apenas por seu arsenal nuclear, sua posição estratégica entre China e Índia ou sua instabilidade política. Mas no debate climático, sua relevância é estrutural: trata-se de um dos países mais vulneráveis ao aquecimento global, assolado por enchentes, secas e pressões hídricas que impactam o Vale do Indo — uma das maiores regiões agrícolas irrigadas do planeta. Punjab, responsável pela produção que alimenta o país, está no centro dessa equação. O que acontece ali repercute na segurança alimentar de todo o Sul da Ásia.
Em um espaço onde muitos países se limitam a distribuir pins, adesivos e lembranças simbólicas, o Punjab quis mostrar que tinha algo mais concreto a oferecer: políticas públicas em execução, indicadores e resultados que podem ser observados no território. A percepção de que um veículo brasileiro estava disposto a ouvir, entender e reportar essas iniciativas foi recebida quase como uma validação — a de que experiências de países pouco falados podem dialogar em pé de igualdade com as grandes pautas climáticas.
Durante a entrevista, o ministro fez questão de sublinhar a disposição do Punjab em abrir suas portas: “As portas estão abertas para o mundo inteiro… as pessoas podem vir ao Punjab e ver o que estamos fazendo lá.” O convite, embora político, carrega uma mensagem mais ampla sobre cooperação: a de que avanços ambientais podem surgir de centros urbanos carentes, províncias populosas e governos subnacionais que, apesar de recursos limitados, tentam responder rapidamente a desafios estruturais.
O projeto apresentado por Punjab na COP-30 faz parte do programa Suthra Punjab, uma iniciativa ampla de modernização da gestão de resíduos sólidos na província. Criado para enfrentar décadas de acúmulo de lixo urbano, infraestrutura precária e impactos sanitários graves, o programa combina coleta porta a porta, rastreamento digital de frota, unidades de triagem, capacitação de trabalhadores e metas de valorização de resíduos, transformando lixo em energia, fertilizantes e insumos industriais.
Em 2025, o governo provincial lançou ainda a célula “Waste to Value”, destinada a desenvolver tecnologias e parcerias internacionais para converter resíduos em valor econômico, reduzir pressão sobre aterros e criar novas cadeias produtivas.
Punjab ainda enfrenta uma lista extensa de desafios - desigualdade urbana, pressões orçamentárias, volatilidade climática. Nenhum acordo, por mais ambicioso, resolve de imediato essas fragilidades.
O recado do Paquistão é sobre capacidade de execução. Sobre como países frequentemente subestimados tentam resolver seus problemas com velocidade, criatividade e, às vezes, urgência. E sobre como, em lugares pouco vistos do mapa, podem surgir algumas das respostas mais práticas para as urgências do nosso tempo.




