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Cultura & Sociedade

Raphael Mendes

Cineasta, mestrando em Artes, fundador da página Mala Dourada e produtor de conteúdos com olhar crítico e entusiasta sobre cinema e televisão

O Agente Secreto: o infiltrado do cinema brasileiro

24 de outubro de 2025


É fácil perceber que temas como identidade, memória, resistência, pertencimento, cinema e Recife são velhos conhecidos do universo de Kleber Mendonça Filho — o cineasta que, nos últimos anos, virou sinônimo de cinema brasileiro com voz, cara e sotaque próprios. Mas se essa já é a estrada que ele vem trilhando há um bom tempo, a pergunta é inevitável: o que faz O Agente Secreto parecer o ponto mais alto da carreira dele até agora?


Pra começar, KMF (apelido carinhoso que os fãs e críticos já adotaram) é um diretor que gosta de provocar. Desde os curtas Vinil Verde e Recife Frio até Bacurau e Retratos Fantasmas, ele mostra que não tem medo de subverter regras, inverter expectativas e cutucar feridas abertas do país. Suas referências são claras — Tarantino, Carpenter, Lynch — mas o que ele faz com elas é puramente pernambucano: uma mistura de crítica social, absurdo e humor que, de algum jeito, sempre acerta no coração do público.


Em O Agente Secreto, Mendonça Filho retoma os temas que o fascinam, mas agora de forma ainda mais refinada e corajosa. Ambientado nos anos 1970, o longa parecia caminhar para um clássico “filme de ditadura”, mas o diretor, espertamente, desvia da rota. O que ele entrega é um retrato sobre o que significa existir — e resistir — num país que insiste em apagar certas histórias. O contexto político está ali, mas como pano de fundo para um debate maior: o de quem nasceu resistência antes mesmo de escolher sê-lo.


O filme vem colecionando prêmios — incluindo melhor direção e melhor ator em Cannes — e as comparações com Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, são inevitáveis. Ambos falam do mesmo período histórico e de personagens atravessados pela memória e pela perda. Mas enquanto Salles se volta para o apagamento de quem lutou, Mendonça fala de quem nunca teve o privilégio de esquecer — de quem carrega na pele e na origem o próprio ato de resistência. É uma diferença sutil, mas que muda tudo.


O mais curioso é que O Agente Secreto não tenta ser universal — e nem precisa. Ele se comunica com todo mundo, claro, mas só quem pertence a esse recorte entende na pele o que o filme está dizendo. Existe algo de propositalmente localizado nessa obra: um orgulho de ser do Nordeste, do Brasil, de um lugar que sempre foi contado por outros. Mendonça Filho devolve o microfone — e faz isso com estilo.


Recife, claro, volta a ser personagem. A cidade pulsa em cada plano, moldada com uma direção de arte que parece respirar junto da câmera. A reconstrução dos anos 70 é um espetáculo à parte: dos figurinos às locações, das texturas das paredes ao cabelo dos personagens, tudo soa autêntico — e isso só é possível quando se filma com afeto. O realismo não é estético, é emocional.


A fotografia reforça essa sensação de calor e clausura, alternando momentos de sufoco e respiro. A montagem sabe exatamente quando cortar — e quando deixar a cena te encarar por tempo demais. É um cinema que confia no espectador, e é isso que o torna tão prazeroso de assistir.


E aí vem Wagner Moura. Como Marcelo, ele entrega um personagem que vive entre extremos: sereno e feroz, protetor e vulnerável, esperançoso e cansado. Moura transforma o filme em um campo de batalha íntimo. Você acredita em cada gesto, em cada olhar. É o tipo de atuação que não tenta brilhar sozinha — mas ilumina tudo ao redor.


O elenco coadjuvante acompanha o ritmo com elegância. Maria Fernanda Cândido, Carlos Francisco, Hermila Guedes, Gabriel Leone, Thomás Aquino e até o lendário Udo Kier compõem um mosaico humano cheio de nuances. Mas são Alice Carvalho e Tânia Maria quem realmente deixam marca. Elas aparecem pouco, mas quando surgem, o filme ganha outro tom. Representam a mulher recifense com toda a mistura de doçura e firmeza que o papel exige — e que só quem vive essa realidade entende de verdade.


No fim das contas, O Agente Secreto é mais do que um filme de espionagem ou uma crítica política: é uma declaração de identidade. Um lembrete de que existir no Brasil é, muitas vezes, um ato de resistência. Mendonça Filho não se esconde atrás da grandiosidade da produção — ele a usa como escudo e como arma. E isso, convenhamos, é o que separa um diretor talentoso de um verdadeiro autor.


É também o filme mais brasileiro do cinema recente — não por ser patriótico, mas por ser insolente, irônico, esperto e profundamente humano.


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