Cultura & Sociedade

Matheus Redig
Mestre e Doutorando em Filosofia. Pesquisa sobre Filosofia da Arte, Cinema e Literatura.
“Oeste Outra Vez” (2024) de Érico Rassi
5 de outubro de 2025

“Oeste Outra Vez” (2024) se inicia com Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babú) brigando pela mesma mulher. Totó, após perder a briga, contrata um pistoleiro. A narrativa é o clássico plot de vingança sobre vingança, mas com escolhas formais e dramáticas que quebram as convenções do gênero.
Assim como em “Os Imperdoáveis” (1992) de Clint Eastwood, aqui também a morte não é épica, a violência não é heroica, os pistoleiros não têm boa pontaria (impossível não ver na covardia da cena da emboscada uma referência ao filme do Clint). Substituindo as paisagens do Wyoming ou do Arizona pela Chapada dos Veadeiros, em Goiás, "Oeste Outra Vez" acompanha a tradição dos westerns revisionistas, que abandonam o maniqueísmo e o idealismo para realçar o que há de ambíguo e degradante nessa vida fora da lei.
Os melhores filmes são aqueles que transmitem seu assunto mediante as imagens e não mediante os discursos — são as imagens que devem falar. Porém, mesmo os diálogos aqui, aparentemente inexpressivos, manifestam a unidade da obra, talvez sua maior virtude. Certo momento, Jerominho pergunta: "Por que você não arruma uma mulher menos complicada?" Totó responde: "Eu gosto é dela." Cenas depois, Domingo, o capanga, pergunta ao seu chefe Antônio: "O senhor já pensou em arrumar outra?" Antônio responde: "Eu gosto é dela."
Os diálogos rimam. Pistoleiro e vítima padecendo da mesma saudade. E o tratamento do tema — a solidão e a incomunicabilidade dos homens — nunca adota o recurso preguiçoso do monólogo educativo, vício insuportável do cinema brasileiro. Não existe um personagem que seja porta-voz duma mensagem. Mas essa mensagem está presente ali, nas elipses, nos silêncios, nos paralelos internos. A sensação é a de que o filme foi pacientemente construído por um cineasta-artesão. Dos detalhes mínimos às paisagens panorâmicas, tudo aponta para o mesmo esvaziamento.
"Oeste Outra Vez" é repleto dessas escolhas oblíquas que se harmonizam com seus personagens disfuncionais. Os planos ora parecem longos, ora parecem brevíssimos. Na cena em que Durval persegue Totó e Jerominho, o filme, em vez de mostrar a tensão do confronto, mostra homens jogando bilhar ao som de “Boate Azul”. (A música, aliás, merece atenção; a obra começa e termina com o melancólico Nelson Ned.) É fascinante que, mesmo com essa austeridade (às vezes redundante, vale destacar), o filme consiga transmitir tão bem a ideia de que esses homens, que não sabem falar sobre os seus sentimentos, só conseguem resolver seus problemas ou na pinga ou na bala.
Ainda assim, seria patético reduzir “Oeste Outra Vez” a uma “desconstrução da masculinidade tóxica” ou qualquer jargão do tipo. O diferencial do filme é outro. Ao contar uma estória sobre homens simples do Cerrado (normalmente ignorados pelo cinema nacional), Rassi aborda emoções complexas; e, mais importante, faz isso com um uso competente da linguagem cinematográfica, por meio de planos e diálogos que apontam para o que está fora deles. A única personagem feminina da obra se despede já na primeira cena; não por acaso, é ali que o conflito se inicia. Todo o resto é a violência e a modorra derivadas dessa ausência.
No momento desta publicação, "Oeste Outra Vez" está disponível de graça no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=kA7TZR7XVOA&t




