Sustentabilidade & Futuro
COP30 reúne proporção inédita de lobistas fósseis: um em cada 25 participantes é do setor
Gustavo Freitas
14 de novembro de 2025

Entre milhares de participantes na COP-30, um dado específico capturou a atenção: a conferência abriga a maior proporção de lobistas de combustíveis fósseis já registrada em qualquer COP. São mais de 1.600 representantes associados ao setor petrolífero, gasífero e carbonífero circulando pelos pavilhões, identificados por organizações independentes e por relatórios de credenciamento.
O número absoluto não supera o recorde anterior - a COP29, em Baku, credenciou cerca de 1.773 lobistas fósseis. Mas, como ressaltam pesquisadores da coalizão Kick Big Polluters Out (KTBP), a conta mais relevante é proporcional: Belém recebeu menos participantes totais do que Baku, o que fez com que o peso relativo da delegação fóssil atingisse seu ponto mais alto. Em termos simples, nunca houve, percentualmente, tantos lobistas fósseis por participante quanto na COP30. Um em cada 25 credenciados — 4% de todo o evento — vem diretamente do setor responsável pela maior parte das emissões globais.
A planilha interna de credenciamento reforça esse quadro. Nela, aparecem dezenas de representantes da Sonangol integrados à delegação de Angola, técnicos da Kuwait Petroleum Corporation e da Kuwait Oil Company, profissionais de empresas nigerianas, e múltiplas entradas ligadas à Petrobras. Essa presença não é isolada: distribui-se por delegações nacionais, organismos observadores e instituições convidadas, compondo uma rede ampla e estruturada.
Países que dependem da produção de petróleo e gás costumam integrar suas estatais às discussões diplomáticas; empresas participam de eventos paralelos reconhecidos pela ONU; instituições multilaterais não diferenciam representantes públicos e privados no momento da credencial, desde que indicados pelas partes. No entanto, a escala alcançada em Belém levanta questões sobre o equilíbrio de forças dentro das negociações.
Embora não haja evidência de pressão explícita, a atuação desses grupos costuma acontecer nos detalhes. Em eventos técnicos, defendem transições graduais que preservam o papel do petróleo por mais tempo; no debate textual, sugerem ajustes de linguagem que suavizam compromissos - “redução” em vez de “eliminação”, “transição justa” em vez de “abandono”. Não se trata de interferência aberta, mas de influência por proximidade: mais pessoas em mais salas acompanhando mais reuniões, enquanto delegações pequenas lutam para estar presentes em múltiplas frentes ao mesmo tempo.
Esse descompasso numérico importa. A presença ampliada do setor fóssil não impede avanços, mas pode comprometer o resultado final, na medida em que dilui ambições e empurra soluções para prazos mais longos. Especialistas observam que, historicamente, minutas finais tendem a refletir o terreno comum possível — e esse terreno, quando pressionado por interesses divergentes, acaba por favorecer redações menos ousadas.
No caso de Belém, há ainda um contraste simbólico inevitável. A COP30 ocorre no coração da Amazônia, uma região que já vive os efeitos mais severos da crise climática. Ao mesmo tempo, a conferência reúne a maior proporção de representantes do setor fóssil que o processo da ONU já registrou.
Nada disso significa que a conferência seja incapaz de produzir resultados consistentes. Mas o relatório e as estatísticas tornam claro que as decisões de Belém serão tomadas num ambiente onde interesses econômicos robustos dividem espaço — e atenção — com os países mais vulneráveis e com as demandas urgentes da ciência climática. A proporção inédita de lobistas fósseis na COP30 ilumina um desafio estrutural, não local: negociar o futuro climático com o passado ainda sentado à mesa.
Link do relatório: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1YtyRQuvN3vvMKoqgmFwI0AVlEZB7tAAt/edit?gid=2011478187#gid=2011478187
Foto de Rafa Neddermeyer/COP30 Brasil Amazônia/PR




